Tecnologia
O céu não é o limite: tem lugar para o Brasil na nova corrida espacial?
Especialistas apontam falta de política sólida e investimentos no setor aeroespacial
A Lua voltou ao centro das atenções das grandes potências e de novos atores do mapa geopolítico aeroespacial. Missões de diferentes países se multiplicam visando explorar o satélite natural da Terra e até instalar bases permanentes.
A 400 mil quilômetros da Terra, a Lua desponta como ponto de apoio para viagens espaciais mais distantes e abriga recursos valiosos, como terras raras, ferro, hidrogênio e titânio. Embora o custo de extração e transporte seja alto, a escassez desses elementos no planeta reforça o interesse global.
Estados Unidos, União Europeia, China, Rússia, Índia, Japão e Coreia do Sul já têm missões em andamento ou planos avançados. Mas o Brasil ainda ensaia seus primeiros passos.
Na semana passada, a Força Aérea Brasileira (FAB) iniciou a Operação Spaceward 2025, que prevê o lançamento do primeiro foguete comercial a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (MA). O veículo, de uma startup sul-coreana, levará até 90 quilos de carga útil desenvolvida por instituições do Brasil e da Índia, com apoio da Agência Espacial Brasileira (AEB) e de um consórcio de empresas.
Há também um projeto embrionário de Complexo de Lançamento de Foguetes em Maricá (RJ), financiado com recursos dos royalties do petróleo, que prevê a criação de um polo de capacitação e tecnologia aeroespacial.
O professor de engenharia aeroespacial da UFABC, Annibal Hetem, lembra que o Brasil faz parte dos Acordos Artemis, da NASA, e mantém cooperações com China e Rússia, mas ressalta que ainda há limitações:
“A contribuição brasileira é modesta e falta investimento consistente em tecnologia espacial. O país precisa definir um nicho técnico, firmar parcerias sólidas e garantir recursos estáveis de longo prazo”, avalia.
O economista da Unicamp Marcos José Barbieri Ferreira concorda e diz que o Brasil não aproveitou o sucesso do setor aeronáutico para alavancar o espaço:
“Ver aviões brasileiros cruzando o mundo mostra o avanço da nossa indústria aeronáutica. Mas, quando olhamos o setor espacial, temos quase o oposto. O Brasil avançou pouquíssimo.”
Falta de política e fuga de cérebros
Segundo os especialistas, o país carece de uma política espacial sólida com metas, continuidade e orçamento estável. A ausência de integração entre governo, universidades e empresas e a burocracia travam o progresso.
“Sem uma visão de Estado e compromisso de longo prazo, o Brasil continuará apenas como coadjuvante na corrida espacial”, afirma Hetem.
Ele defende o fortalecimento do setor privado, incentivos fiscais e a valorização da AEB e do INPE. A falta de oportunidades também tem provocado fuga de talentos:
“Muitos profissionais altamente qualificados buscam no exterior melhores condições de pesquisa e aplicação tecnológica — e salários, claro.”
Disputa global e papel do Estado
Para Barbieri, a atual corrida espacial é uma “nova Guerra Fria”, marcada pela disputa de hegemonia entre EUA, China e Rússia:
“Esse acirramento deve impulsionar novos projetos, não apenas militares, mas de exploração e retomada da Lua.”
Os especialistas apontam que as parcerias atuais do Brasil são mais simbólicas do que estruturais. Hetem defende que o país precisa transformar a cooperação em protagonismo tecnológico.
Barbieri reforça que o Estado deve liderar o investimento no setor, mesmo com participação privada:
“Um país não terceiriza sua soberania. O Estado precisa estar à frente. Nos EUA, as empresas privadas só atuam porque há forte apoio governamental.”
Ele lembra ainda que o Brasil já teve planos para uma Missão Espacial Completa Brasileira, nos anos 1970, que previa o lançamento de satélites nacionais com foguetes próprios, mas o projeto nunca foi concluído.
“Temos recursos, posição geográfica estratégica e competência técnica. O que falta é priorizar o setor. Uma mínima realocação de verbas já permitiria avanços significativos”, conclui Barbieri.



